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Documentário “Raça Humana” revela bastidores das cotas raciais na UNB

O País da miscigenação se vê com uma questão espinhosa: as cotas raciais nas universidades. Para falar sobre um assunto considerado tabu, o documentário “Raça Humana” ouve alunos cotistas e não cotistas, professores, movimentos organizados e partidos políticos. Aos poucos, questões seculares e mal-resolvidas da história do Brasil ressurgem, tendo como pano de fundo a discussão das cotas. “Raça Humana” foi vencedor da categoria Documentário, na 32ª edição do Prêmio Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos, em 2010. Esclarecendo que, todos os diretos autorais pertencem a TV Câmara.

Vídeo – Chacinas nas Periferias

Mini documentário sobre chacinas recorrentes nas periferias brasileiras e a sua relação étnico-racial, onde segundo Renata Neder, Assessora de Direitos Humanos da Anistia Internacional no ano de 2012 no Brasil foram registrados 56.000 mil homicídios, dentre este número 30.000 mil foram de jovens assassinados e  77% destes jovens eram negros. Já para Daniela Skromov, Defensora Pública do Estado de São Paulo boa parte destas chacinas foram praticadas por agentes do estado (policiais) e que esta pratica não é direcionada somente para o indivíduo que comete algum tipo de delito, mas também para aquele que reside naquela comunidade como uma forma de punição coletiva.

 

Dica de Filme: La Jaula de Oro

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Impactante. Essa é a primeira palavra que me remete a história contada por meio do filme “La Jaula de Oro”. É como sentir um soco no estômago tamanha as situações retratadas ao longo da narrativa do filme. Todo filme é baseado em uma realidade e se confrontar com aquela que foi mostrada é inquietante, pois ela não está tão longe de nossas vivências.

O filme inicia-se mostrando as condições precárias de moradia de quatro jovens em uma periferia da Guatemala na América Central, periferia essa com esgoto a céu aberto e um grande lixão onde as pessoas buscavam algo para reciclar, ou até mesmo comer, rivalizando com os animais que ali estavam. Os jovens principais são Juan que anda com um par de botas e que demonstra ser o líder masculino do grupo, Chauk, Samuel o índio e Sara a única mulher no grupo e liderança feminina. Outros jovens talvez sem família brincam com armas ao longe. Em seguida é mostrado Sara, cortando o cabelo no banheiro, disfarçando o corpo para se tornar masculino, disfarce esse que teve o seu significado demonstrado para não ser violentada ao longo da travessia que estes jovens pretendiam fazer. Percebi neste momento um recorte de gênero e de como as mulheres sofrem um risco potencializado neste deslocamento forçado em busca de melhores condições de vida.

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O Trem em movimento surge como símbolo do deslocamento utilizado por migrantes e imigrantes, alegoria de provável mudança de vida carregado de esperanças e de riscos. A solidariedade mostrada entre algumas pessoas nos trens, compartilhando água, líquido precioso e escasso nesta caminhada árdua e comida, além da divisão do espaço pequeno demonstrou um pouco de fraternidade entre estas pessoas, algo raro em meio a tantas outras que buscam se aproveitar da fragilidade alheia em benefício próprio. Direcionadas pela violência extrema para fazerem isso para sobreviver? Ou atitudes tomadas por suas próprias escolhas? Perguntei-me isso sempre em cada situação de violência mostrada na narrativa, seja ela praticada pelos polícias representantes do estado que além de roubar o grupo, agride-os fisicamente, mesmo com a tentativa de Samuel o Índio em retirar uma das armas de um dos polícias como uma mensagem subliminar dizendo em um grande holofote: Pare de nos matar! Situação essa que faz com que Chauk desista de continuar a viagem. Em seguida por meio do sequestro de mulheres que acomete Sara, ou do sequestro em troca de dinheiro, onde aqueles que não tivessem um contato de uma pessoa americana seriam mortos, onde Samuel quase é morto pelo sequestrador, situação essa que não ocorre porque o sequestrador encontrou alguma similaridade com Chauk por este vim do mesmo distrito da Guatemala e ser corajoso a ponto de se predispor a sacrificar a própria vida em troca da do amigo.

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Estes jovens buscam a todo o momento sobreviver em meio a tantas situações de violência, seja fazendo arte para recolher dinheiro, sobrevivendo de roubos de roupas, comida (galinha) e da imigração e sonhando por meio das fotos americanas uma projeção de vida melhor. A solidariedade humana se apresenta por meio de duas passagens interessantes. A primeira por um padre que acolhe os imigrantes e os alimenta, mas que não deixa muito evidente suas intenções e em outro momento por um homem que os recolhe em momento de fuga da imigração. Só que esse acolhimento não foi por boa vontade, eles os acolhe e os escravizam em um novo tipo de escravidão moderna. A escravidão do trabalho na colheita da cana-de-açúcar. Trabalho com condições precárias e que ao final do filme eu pude entender que era um prólogo do que estava por vir no tão aclamando sonho de vida americano.

Chauk e Samuel continuam a sua jornada tortuosa em busca de um sonho, sendo usados por traficantes para transportar drogas para os Estados Unidos e abandonados por não terem pagado aos atravessadores no meio da fronteira, expostos como animais silvestres a águia americana (a águia representação do imperialismo) o jovem índio é morto friamente na fronteira por um atirador americano. Chauk corre desesperadamente para ajudar seu amigo em meio aos tiros, vendo-o inerte ao chão corre sem rumo para salvar sua dolorosa vida. O que havia de sentimento no grupo se desfaz exatamente ali.

Quando Chauk consegue um trabalho em um frigorífico americano de maneira clandestina assim como tantos outros em condições similares, recolhendo os dejetos, fazendo o trabalho que o estadunidense se recusa a fazer. O sonho se mostrou como flocos de neve em uma noite fria em uma face gelada, embrutecida pela dor, perda, violência, desigualdade e por uma estrutura de gerenciamento econômica e social extremamente perversa que é a capitalista. Não vejo mais o rosto quente de emoção e sonhos no inicio do filme vejo agora um rosto sem expressão alguma como uma lápide de gelo. Dura realidade essa que tantos de nós fingimos não ver e que está ao nosso redor.

Biblioteca Virtual disponibiliza + de 140 livros de História e Cultura Afro-Brasileira para download

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A Biblioteca Virtual Consuelo Pondé é uma biblioteca temática, especializada na História da Bahia. O seu acervo é composto de publicações digitais, obras que se encontram em domínio público ou que foram devidamente autorizadas pelos autores para publicação e guarda, de acordo com a Lei nº 9.610 dos Direitos Autorais, assim como links e referências do material disponibilizado na Web referentes ao tema.

O site da Biblioteca Virtual Consuelo Pondé é o espaço para divulgação do acervo e da História.

Através das revistas, das exposições e dossiês, com curadoria e textos de pesquisadores, o internauta vai conhecer a produção historiográfica sobre a Bahia.

O objetivo principal da Biblioteca Virtual Consuelo Pondé é tornar acessível o conjunto de obras sobre a História da Bahia, ou obras que são fonte para a História, inovando ao se posicionar como uma biblioteca multimídia, hiper-textual e interativa, bem como preservando e promovendo o acesso universal a fontes historiográficas referentes à nossa história.

A Biblioteca Virtual Consuelo Pondé é parte do Sistema de Bibliotecas Públicas do Estado da Bahia da Fundação Pedro Calmon.

ACESSE AQUI –> Biblioteca Virtual Consuelo Pondé

[Download] Coleção História Geral da África – UNESCO

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Publicada em oito volumes, a coleção História Geral da África está agora também disponível em português. A edição completa da coleção já foi publicada em árabe, inglês e francês; e sua versão condensada está editada em inglês, francês e em várias outras línguas, incluindo hausa, peul e swahili. Um dos projetos editoriais mais importantes da UNESCO nos últimos trinta anos, a coleção História Geral da África é um grande marco no processo de reconhecimento do patrimônio cultural da África, pois ela permite compreender o desenvolvimento histórico dos povos africanos e sua relação com outras civilizações a partir de uma visão panorâmica, diacrônica e objetiva, obtida de dentro do continente. A coleção foi produzida por mais de 350 especialistas das mais variadas áreas do conhecimento, sob a direção de um Comitê Científico Internacional formado por 39 intelectuais, dos quais dois terços eram africanos.

Brasília: UNESCO, Secad/MEC, UFSCar, 2010.

Download gratuito (somente na versão em português):

FONTE: Coleção História Geral da África, © UNESCO

Publicação de acordo com as regras de Direitos Autorais da UNESCO

1ª geração cotista relata preconceito e choque de realidade

Doutor da UNB com formação internacional passou fome; analista lembra que se tornou ‘invisível’ e gestor ainda luta para estudar

Por Luiz Fernando Toledo Do Estadão

BRASÍLIA – Para ilustrar a trajetória dos estudantes cotistas, o Estado foi atrás dos ex-alunos da primeira geração de cotas no Brasil, na Universidade de Brasília (UnB). No vestibular de julho de 2004, em decisão inédita, a UnB aprovou 20% de suas vagas (392, no total) para estudantes negros.

Entre eles estava Rhaul de Oliveira, de 29 anos, hoje professor no Instituto de Ciências Biológicas na mesma instituição. “Demorei muito a entender o que significa eu estar ali”, conta. Oito anos depois de se formar, Oliveira acumula títulos: emendou um mestrado em Toxicologia e Ecotoxicologia na Universidade de Aveiro, em Portugal. Em seguida, no doutorado, também passou pela Wageningen University, na Holanda, e pelo Instituto Asiático de Tecnologia, na Tailândia. Até a vida da família mudou: a mãe começou a estudar Ciência Política e o irmão, Engenharia, ambos por meio das cotas.

Mas, para se formar, Oliveira enfrentou da fome ao preconceito. Morador na periferia de Goiânia, ele dividia sua rotina entre a profissão de chapeiro, as aulas na escola pública e o cursinho. Aos 17 anos, para ajudar a mãe, dava expediente, muitas vezes, das 18 às 6 horas do dia seguinte. “Muitas vezes, perdia a aula por chegar atrasado.” Quase sempre sem dinheiro para almoçar, ia da escola ao cursinho com bolachas.

No primeiro dia em que pisou na UnB, para fazer a matrícula, a sensação era de estranhamento. “Lembro de ter visto uma grande quantidade de cartazes anunciando aulas de francês, de inglês e alemão. Tinha até aula de coral, parecia filme”, lembra.

Quando olha para trás e vê o que já conquistou – um diploma, pós-graduações, bom salário e até palestras dadas no lugar onde estudou -, o analista judiciário e assistente social Angelo Roger de França Costa, de 33 anos, se emociona. Pensou pela primeira vez na chance real de cursar o ensino superior ao descobrir, pela televisão, que a UnB adotaria cotas raciais naquele ano. Na época, já trabalhava como vendedor de livros. “Tive muita dificuldade para conciliar as coisas. Minha expectativa era de, na melhor das hipóteses, passar em um concurso para ganhar uns R$ 1.500. Onde eu morava, em Taguatinga (cidade-satélite de Brasília), a maioria trabalhava como vigilante ou vendedor. Passar em concurso público seria o ápice.”

Durante a graduação, em Serviço Social, enfrentou o peso de não ter tido a mesma formação dos colegas. “Tinha de ler quase cem páginas por dia e sobre assuntos que eu não tinha noção que existiam. Muitos amigos da sala já conheciam o (filósofo Michel) Foucault, por exemplo, seja por uma conversa no cotidiano, em casa. Vivíamos em mundos diferentes.” Também disse ter sentido na pele a resistência às cotas que se instalou nos primeiros anos da política. “Os cotistas eram ‘invisibilizados’. Ninguém podia dizer que entrou por cota, um não sabia quem era o outro. Faziam pichações no banheiro desejando morte aos alunos cotistas. Isso fazia com que a gente estivesse no lugar sem merecimento, como se não fosse um espaço nosso, o que é um absurdo.”

Discriminação. Leonardo Araújo, de 30 anos, que se formou em Administração e hoje trabalha na área na Caixa Econômica Federal, diz que uma das maiores dificuldades era se enturmar. “A entrada foi bem estranha. A maioria dos alunos já se conhecia, eles estudavam nos mesmos cursinhos ou na mesma escola, já estavam bem integrados”, conta.

No mercado de trabalho, acredita que a discriminação ainda é grande. “É difícil você ver um gestor negro. O negro tem pouca oportunidade de estudar. Quando terminei a faculdade, queria fazer mestrado, mas tinha de trabalhar. Quem sabe um dia eu faça?”

‘Alunos têm de lutar contra o isolamento’

Uma das reclamações mais comuns dos alunos negros ao entrar em uma universidade pública tradicional por meio de cota é o isolamento em relação à comunidade escolar. É o que aponta a doutora em História e professora da Universidade de Brasília (UnB) Joelma Rodrigues da Silva. Ela é responsável pelo Centro de Convivência Negra (CCN), espaço da UnB que oferece desde atividades de acolhida, para novos alunos, a computadores e internet gratuita para trabalhos e pesquisas.

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Joelma: ‘Solidão dos negros é forte’

“A solidão dos estudantes negros ainda é muito forte na universidade. Muitos deles ficam depressivos e até tomam remédio. Estão emocionalmente muito vulneráveis. O centro acaba sendo um espaço para acolhimento, para que eles venham estudar, conversar, ‘trocar uma figurinha’, experiências. Enfim, se apoiar. Eles se reúnem para grupos de estudos sobre questões raciais e fazem até almoços aqui”, diz a professora ao Estado. Ela afirma que, mesmo com as cotas, é comum o aluno negro ser minoria na sala de aula em que estuda.

“Depois que a gente entrou, pela primeira turma, a universidade estava toda pichada contra os cotistas. Faziam até movimentos de ‘bronzeamento’ (para satirizar as cotas). Fomos acolhidos por um programa de atenção aos cotistas, que envolvia uma bolsa, mas não só isso. O principal mesmo foi estar junto com a turma. Eu não me sentia realmente à vontade para falar para todo mundo que era cotista”, diz a ex-aluna e assistente social Nathalia Elisa de Farias, de 31 anos, hoje no doutorado de Serviço Social.

Jogos africanos

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Jogos de tabuleiros foram jogados no continente africano há milhares de anos, mas infelizmente, poucas pessoas conhecem  os jogos de tabuleiros tradicionais da África que podem ser jogados utilizando materiais encontrados na natureza, além de estimular o raciocínio  lógico matemático  e cognitivo.

Nesta publicação iremos apresentar 9 jogos de tabuleiros africanos que podem ser jogados por qualquer pessoa ou desenvolver como atividade extra  classe em escolas.

1. Mancala, Woare, Bao.

ouriiMancala é um dos jogos mais antigos do mundo, que remonta milhares de anos. tabuleiros  foram encontrados esculpidos em telhados de túmulos egípcios antigos em Luxor e Tebas. Em Alguns lugares o jogo e conhecido como Bao, oware, Ayo, Omweso, enkeshui ou aweet. Há, de fato, mais de 200 versões deste jogo “contar e captura”, jogado em toda a África, todos com um pouco diferentes regras . No Norte e Oeste da África, é comum o uso de duas fileiras…

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Ginga, a rainha quilombola de Matamba e Angola

Escrito por Carlos Serrano, professor do Departamento de Antropologia da USP e vice-diretor do Centro de Estudos Africanos da USP.

Ginga

A rainha ginga, no destaque; Estatueta em madeira de ancestral, em camarões;
Quilombo etíope ocidental, gravura de 1732

Nzinga Mbandi Ngola, rainha de Matamba e Angola nos séculos XVI-XVII (1587-1663), foi uma das mulheres e heroínas africanas cuja memória mais tem desafiado o processo diluidor da amnésia, dando origem a um imaginário cultural na diáspora tal como no folclore brasileiro com o nome de Ginga; despertou o interesse dos iluministas como a criação de um romance inspirado nos seus feitos (Castilhon, 1769) e citação na Histoire Universelle (1765); é cultuada como a heroína angolana das primeiras resistências pelos modernos movimentos nacionalistas de Angola, e tem despertado um crescente interesse dos historiadores e antropólogos para a compreensão daquele momento histórico que caracterizou a destreza política e de armas desta rainha africana na resistência à ocupação dos portugueses do território angolano e consequente tráfico de escravos.

Contemporânea de Zumbi dos Palmares, este outro herói afro-brasileiro (?-1695), ambos parecem compartilhar de um tempo e de um espaço comum de resistência: o quilombo. Ao refletirmos sobre a rainha Nzinga Mbandi Ngola pensamos contribuir para a compreensão da inserção dos espaços políticos africanos na economia mercantil europeia e das resistências criadas à sua dominação.

Um grande número de reinos africanos da costa ocidental e central do continente possuía uma concepção de organização político/espacial semelhante. Suas economias, antes da presença europeia, estabeleciam-se em função de uma relação complementar com os espaços do hinterland através de comércio a longa distância. Desse modo, o poder centralizador desses reinos situava-se não no litoral mas no interior, com o fim de melhor controlar as rotas comerciais. Normalmente o litoral constituía-se como espaço de produção de sal, peixe seco ou outros produtos necessários ao interior.

As transformações que emergem no seio dessas sociedades, em termos do poder político, surgem por interveniências de elementos exógenos, neste caso, os traficantes europeus, e identificam-se na deslocação do poder político de linhagens detentoras tradicionais desse poder para linhagens “novas”. Estamos pensando no contato sucessivo que os chefes tradicionais do litoral entabulavam com os navegantes que procuravam estabelecer um comércio efetivo com os povos da costa ocidental africana.

Esta dualidade do poder espacial podemos encontrar no reino do Dahomey (K. Polanyi, 1966), no Loango, (Philippe Rey, 1971), no Ngoyo (Serrano, 1983), no Congo (Pirenne, 1959). Em todos eles o tráfico de mercadorias e escravos era tributado e controlado por representantes do poder central.

Os traficantes portugueses tentam estabelecer portos de tráfico no litoral angolano para a comercialização e captura direta de escravos no litoral. Em 1578, Paulo Dias de Novais funda a cidade fortificada de São Paulo de Assumpção de Luanda que se tornará a futura capital de Angola em território mbundu. Era rei dos mbundus no território ndongo (Angola) e Matamba, Ngola Kiluanji, pai de Nzinga Mbandi Ngola, que nasce em Cabassa, interior de Matamba, em 1581.

Ngola Kiluanji resiste à ocupação portuguesa até a sua morte. No entanto, uma parte do território é tomada, constituindo o primeiro espaço colonial na região. O rei Kiluanji refugia-se em Cabassa, no interior de Matamba, e consegue reter o avanço dos portugueses. Após a morte de Kiluanji sucede seu filho Ngola Mbandi, meio irmão de Nzinga.

Os portugueses há algum tempo traficando com os jagas do litoral, guerreiros vindos do leste, também conhecidos por imbangalas, estão agora impedidos de fazê-lo, pois a rota para o interior é controlada pelo Ngola Mbandi. Este envia sua irmã Nzinga a Luanda para negociar com os portugueses. Recebida em Luanda com grande pompa pelo governador geral ela negocia sem ceder algum território e pede a devolução de territórios que obtém pela sua conversão política ao cristianismo, recebendo o nome de Dona Anna de Sousa. Mais tarde suas irmãs Cambi e Fungi também se convertem, passando a se chamar Dona Bárbara e Dona Garcia respectivamente.

Os portugueses, no desejo de estabelecerem o comércio com o jaga de Cassanje no interior, não respeitam o tratado de paz. A rebelião de alguns sobas (chefes), que se aliam ao jaga de Cassange e aos portugueses, cria uma situação de desordem no reino de Ngola. Nzinga, ao encontrar um dos sobas, seu tio, que se dirigia a Luanda para se submeter aos portugueses, manda decapitá-lo, e dando conta da hesitação de seu irmão manda envenená-lo abrindo assim caminho ao poder e ao comando da resistência à ocupação das terras de Ngola e Matamba.
Os portugueses elegem um chefe mbundu, Aiidi Kiluanji (Kiluanji II), como novo Ngola das terras do Ndongo. Nzinga, não conseguindo a paz com os portugueses em troca de seu reconhecimento como rainha de Matamba, renega a fé católica e se alia aos guerreiros jagas de Oeste se fazendo iniciar nos ritos da máquina de guerra que constituía o quilombo.

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O Quilombo e o rito de passagem

Para melhor compreender este rito de iniciação deste grupo guerreiro, os jagas, será melhor dar a palavra a uma testemunha ocular da época, que a descreve com minúcias:

“A cerimônia de receber os meninos no quilombo pratica-se ainda hoje com solenidade, e eu, que a presenciei muitas vezes, posso descrevê-la exatamente. Quando o chefe do quilombo, que é ordinariamente o comandante militar, quer conceder este privilégio, determina o dia da função. No intervalo de tempo precedente à data, os pais, que são sempre numerosos, suplicam insistentemente a concessão desta graça, persuadidos de que
seus filhinhos, antes da admissão, são abominados pela autora da lei, e só depois de purificados serão benzidos por ela. O dia é de grande festa, com o concurso de muitos homens armados e enfeitados o melhor possível. Aparecem na praça em boa ordem e com muito decoro os cofres em que se conservam os ossos de algumas pessoas principais e que são guardados nas suas casas por pessoas qualificadas. Depois aparecem os cofres com os ossos dos antigos chefes do quilombo e de seus parentes. Todos são colocados sobre montões de terra, na presença do povo, rodeados por guardas e por uma multidão de tocadores e de dançadores, que festejam e honram os ossos daqueles falecidos. Por fim chega o comandante com a sua favorita, chamada tembanza, ou ‘senhora da casa’, ambos festejados pela música e pela comitiva dos seus familiares. Ambos untam os seus corpos e as suas armas e se sentam, ela à esquerda e ele à direita dos ditos cofres. Então, todos os presentes, divididos em grupos, fingem uma batalha, acometendo-se furiosamente. Acabada a batalha e as danças, que são bastante demoradas, até todos perderem o fôlego, saem, de algumas moitas predispostas, as mães que nelas estavam escondidas, com os meninos, e, mostrando-se muito preocupadas, com mil gestos vão ao encontro dos maridos, indicando-lhes o lugar em que cada menino está escondido. Então eles correm para lá com os arcos flechados e, descobrindo a criatura, tocam levemente nela com a seta, para demonstrar que não a consideram como filho, mas como preso de guerra, e que, portanto, a lei não fica violada. Depois, usando uma perna de galinha (nunca pude descobrir a razão disso), untam a criança com aquele unguento no peito, nos lombos e no braço direito. Dessa maneira, os pequenos são julgados e purificados e podem ser introduzidos pelas mães no quilombo na noite seguinte”
(Cavazzi, p. 182).

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A versão que nos chega dos ritos antropofágicos dos jagas parece prender-se a uma falsa tradução da palavra que significaria retirá-las das famílias (linhagens) e não “comê-las”. (Miller,1976).
Tal como a instituição das classes de idade, o quilombo é o que se denomina ‘crosscutting institutions’ pois cortava transversalmente as estruturas de linhagem e estabelecia uma nova centralidade de poder, baseada sobretudo na máquina de guerra necessária para fazer guerra aos prováveis inimigos.
(Miller, p. 27).
Esse era um processo de recrutamento militar necessário a Nzinga para fazer face aos valores particularistas da estrutura de parentesco, ou pelo menos colocar uma inserção mínima. (Balandier, 1969:78).

Em 1640, a rainha Nzinga e seus guerreiros atacam o forte Massangano, onde suas duas irmãs, Cambu e Fungi, são aprisionadas, sendo esta última executada. Aproveitando a ocupação temporária de Luanda pelos holandeses, recupera alguns territórios de Ngola com a adesão de alguns sobas (chefes). Salvador Correia de Sá y Benevides, general brasileiro, restaura a soberania portuguesa em Luanda e tenta restabelecer seu poder no interior.
Numa incursão do exército de Nzinga são aprisionados dois capuchinhos que a rainha aproveita para convencê-los de sua vontade de reconversão em troca do reconhecimento de sua soberania nos reinos de Ngola e Matamba e da libertação de sua irmã Cambu. O governador geral aceita libertar Cambu se Nzinga retificar um tratado limitando suas reivindicações a Matamba e renunciando aos territórios de Ngola, sendo o rio Lucala escolhido como fronteira. Este tratado, de 1656, só vai ser posto em prática depois da ameaça da rainha voltar à guerra. Só assim o governo de Luanda libera sua irmã Cambu, mesmo assim depois do pagamento de um resgate de mais de uma centena de escravos. Cambu tinha ficado retida em Luanda por cerca de dez anos.
Há uma paz relativa no reino de Matamba até a sua morte aos 82 anos em 17 de dezembro de 1663. Sucede a Nzinga sua irmã Cambu, continuadora da memória de sua irmã, a rainha quilombola de Matamba e Angola.
A resistência de Nzinga à ocupação colonial e ao tráfico de escravos no seu reino por cerca de quarenta anos, usando de várias táticas e estratégias que vão desde a conversão ao cristianismo até as práticas jagas, é fonte para a criação de um imaginário que se impôs como símbolo de luta contra a opressão. Memória de Ginga, memória de Zumbi.

BIBLIOGRAFIA

BALANDIER, Georges. Antropologia Política. São Paulo, Difusão Européia do Livro, 1969.
BIRMINGHAM, David. A Conquista Portuguesa de Angola. Lisboa, A Regra de Jogo, 1974.
CASTILHON, J.-L. Zingha, Reine D’Angola. Histoire Africaine. Bourges, Ganymede, 1993.
CAVAZZI, Pe. João Antonio (de Montecúccolo). Descrição Histórica dosTrês Reinos Congo,
Matamba e Angola (1687). Lisboa, Edição da Junta de Investigações do Ultramar, 1965, 2 volumes.
MILLER, Joseph C. “Nzinga of Matamba in a New Perspective”, in Journal of African History,
XVI 2 (1975), pp. 201-16.
———. Kings and Kinsmen, Early Mbundu States in Angola. Oxford, Clarendon Press,1976.
SERRANO, Carlos. “História e Antropologia na Pesquisa do mesmo Espaço: a Afro-América”, in
África: Revista do Centro de Estudos Africanos da USP, 5, 1982, pp. 124-8.
———. Os Senhores da Terra e os Homens do Mar: Antropologia Política de um Reino Africano.
FFLCH-USP, 1983.
SOROMENHO, Castro. “Portrait: Jinga, Reine de Ngola et de Matamba”, in Presence Africaine,
3e. trimestre 1962, pp. 47-53.

10 fotografias raras e reais da escravidão no Brasil há 150 anos

Estas imagens, tiradas há mais de 150 anos, são registros únicos de uma das épocas mais cruéis da sociedade brasileira. Quando estudamos sobre a escravidão no Brasil, temos acesso a ilustrações, encenações e, é claro, descrições do período na literatura. Desta vez, poderemos observar imagens que mostram realmente pessoas da época que eram submetidas à escravidão.

O que tornou possível tamanha riqueza de imagens de época, foi o interesse do Imperador Pedro II pela fotografia, o que tornou o Brasil um dos países em que primeiro se desenvolveu esta prática.

Todas as fotos são do período entre 1860 e 1885 e têm como fonte o Acervo Instituto Moreira Salles.

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Senhora na liteira (uma espécie de “cadeira portátil”) com dois homens negros escravizados, Bahia, 1860 (Acervo Instituto Moreira Salles)

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Primeira foto do trabalho no interior de uma mina de ouro, 1888, Minas Gerais. (Marc Ferrez – Acervo Instituto Moreira Salles)

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Mulher negra com uma criança branca nas costas, Bahia, 1870. (Acervo Instituto Moreira Salles)

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Mulher negra com o filho, Salvador, em 1884 (Marc Ferrez – Acervo Instituto Moreira Salles)

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Lavagem do ouro, Minas Gerais, 1880. (Foto- Marc Ferrez – Acervo Instituto Moreira Salles)

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Foto da Fazenda Quititi, no Rio de Janeiro, 1865. Observe o impressionante contraste entre a criança branca com seu brinquedo e as crianças negras descalças e com roupas aos farrapos (Georges Leuzinger – Acervo Instituto Moreira Salles)

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Trabalhadores negros escravizados na colheita do café, Rio de Janeiro, 1882 (Marc Ferrez – Acervo Instituto Moreira Salles)

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Trabalhadores(as) negros na colheita de café, Vale do Paraíba, 1882 (Marc Ferrez – Colección Gilberto Ferrez – Acervo Instituto Moreira Salles)

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Quitandeiras em rua do Rio de Janeiro, 1875 (Marc Ferrez – Acervo Instituto Moreira Salles)

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A Glória, vista do Passeio Público, Rio de Janeiro, 1861 (Revert Henrique Klumb – Acervo Instituto Moreira Salles)

 

Obá – A Mulher africana e guerreira!!!

Mais um brilhante texto do antropólogo Vilson Caetano

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OBA, LÍDER DA SOCIEDADE ELEKÔ COMANDA TODAS AS MULHERES GUERREIRAS.
Obá é um dos “orixás femininos” sobre a qual recaiu uma espécie de esquecimento. Todavia, não obstante este fato, ela goza de enorme significado no universo das religiões de matriz africana. Muito pouco se tem escrito sobre a mesma, talvez por ela nos remeter a um mito original que se repete em várias culturas que fala “de um tempo em que o mundo era governado pelas mulheres.” 

 

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Em alguns terreiros de candomblé que ainda preservam a figura desse principio ancestral, Obá aparece como uma caçadora. Este fato faz alusão aos primórdios dos grupos humanos que tinham a atividade coletora como principal meio de sustento. Pena que ainda hoje quando retomamos esta imagem, logo nos vem à mente figuras masculinas, contrariando alguns mitos afro-brasileiros que trazem enfaticamente a presença de mulheres a frente de grupos que mais tarde darão origem às grandes civilizações.

Em todos os mitos preservados no Brasil, Obá apresenta-se como caçadora ao lado de outras como Oyá e Iewá, daí a sua ligação direta com Odé, o caçador. Outra imagem que reforça a antiguidade do seu culto é a de que tal orixá também é um rio do mesmo nome que ainda hoje corta uma parte do território iorubá. 

Conta-se que, após vários dias de batalha, estando os orixás liderados por Ogum e Oxalá, fragilizados pela guerra, Obá não se contentando em reunir apenas as mulheres de seu tempo, convocou todas as fêmeas do mundo animal. Ao ver Obá chegar rodeada de animais, aquela guerra foi vencida porque os inimigos fugiram de seus postos. Afirma-se nos terreiros que Obá mantém relações profundas com os animais, outra imagem antiga preservada do tempo em que os primeiros grupos humanos acreditavam encantá-los através de seus desenhos. O tempo em que os caçadores e caçadoras confundiam-se com a própria caça.
O culto a Obá é ainda hoje cercado de mistério. Mistério velado pelas cores escuras, representadas pelo vermelho encarnado que compõem seus elementos rituais nas poucas vezes em que aparece. Em alguns terreiros de tradição jeje nagô, a cantiga que diz “Obá, líder da sociedade Elekô comanda todas as mulheres guerreiras”, inicia a sequência de músicas que dentre outras coisas, lembra a sua importância como representante das mulheres como caçadora, chamando para si funções sociais, políticas, culturais e religiosas.
Em outras palavras, Obá, além de desempenhar um papel como desbravadora, cabia a ela defender o grupo, o protegendo em todos os sentidos, fomentar seu sustento e garantir a sua integridade política.
Os caçadores eram ainda médicos, mágicos, verdadeiros entes divinos que sabiam que da relação de sua comunidade com os ancestrais dependia a sua permanência no mundo. Daí a expressão: “Obá Elekô”. Elekô, a exemplo de muitas outras sociedades secretas, era uma espécie de “maçonaria de mulheres”, que dentre outras funções, zelava pela preservação da relação entre estas e a terra, para alguns grupos humanos, a grande mãe ancestral.
Pena que apenas persistiu dentre nós, fragmentos de uma história que diz ter sido Obá enganada por uma das mulheres de Xangô que a teria induzido cortar uma de suas orelhas. Acho mesmo que a imagem da orelha cortada por Obá neste mito é menos importante do que aquilo que considero tema principal: o amor.
Obá é símbolo do amor, esse principio universal que por mais esforço já se tenha feito para traduzi-lo através das poesias, das filosofias, das religiões e recentemente da ciência, ainda é um mistério, talvez por ser ele um dos mais divinos.
Gosto muito da história que diz que certa ocasião muito triste por ter perdido um de seus filhos, uma mulher adentrou-se na mata e pediu a Obá que o trouxesse de volta. Adormecida na floresta, a jovem sonhou com sementes que lhes eram trazidas por um enorme pássaro. Acordada do sono, a mulher foi procurá-las. Chegando a beira de um rio, mal pode conter a sua alegria ao deparar-se com as sementes que a noite havia sonhado, ao mesmo tempo em que se deu conta de que, era ela mesma o pássaro que a noite havia visto em sonho. Das sementes plantadas pela mulher arrebentou uma planta que se transformou numa árvore de tronco escuro a partir da qual a humanidade melhor podia se representar, trazendo presente na forma de esculturas seus antepassados: o ébano.
Obá, dessa maneira é a “verdadeira deusa do ébano”, não somente da madeira escura, de brilho natural que tanto nos representa através das mãos dos artistas africanos, mas a verdadeira “deusa negra” presente em todas as mulheres, nossas irmãs e mães que hoje mais do que nunca vão ao enfrentamento para defender a sua dignidade através da garantia da integridade de seus filhos. Mulheres que embora tenham conquistado espaços nas sociedades contemporâneas ainda são aquelas mais estigmatizadas, violentadas e que tem seus direitos menos respeitados. Mulheres que como Obá amam, e por isso vão a luta pelos seus sonhos e são capazes não apenas de liderar quilombos, revoltas armadas, greves, movimentos sociais, mas grupos inteiros pois assim foi desde o inicio quando Obá saiu à frente convocando todas as mulheres para reconquistar o mundo.